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  • Foto do escritorVinicius Augusto Bozzo

DocMontevideo e a escuta fora da bolha




Se há algum proveito nesse período de pandemia, certamente o romper dos limites geográficos foi um deles. Pressionados pelo não contato visual diversos festivais, encontros, mostras e conferências transferiram sua atuação totalmente para o meio "virtual". Com o DOC MONTEVIDEO não foi diferente, foram 10 dias de encontros com grandes montadores e diretores de documentário espalhados pelo mundo. Envolvido pelo isolamento total entre março e julho resolvi mergulhar no Uruguai sem sair de casa.


De 20 a 31 de julho, uma vez por dia estava eu em frente ao computador ouvindo as maravilhosas experiências de realizadores de documentários localizados totalmente fora da minha bolha. Algumas dessas vivências compartilho com você ao mesmo tempo em que ainda tento digerir o que aprendi para utilizar nos próximos trabalhos, quase um mês depois do evento.


Ouvir os montadores é sempre um deleite para mim, não só porque sou um montador mas porque compreendo a montagem, no documentário especificamente, como uma nova camada de construção de narrativa que se sobrepõe ao roteiro e ao material bruto gravado. O uruguaio Cláudio Hughes, que trabalha na França, montou documentários premiados como "A Family Affair", "Sociedade da Neve" e "A Colombian Family". Sua experiência com a prática da montagem e suas frases ainda ecoam. Ele vê com certo perigo a velocidade na montagem. Nos primeiros dias de um trabalho não acontece nada na ilha e mesmo que ele receba o material bruto decupado pelo diretor ele gosta de ter todo o material bruto com ele. O material bruto sempre pode ajudar. Ele também ressaltou que é importante o editor saber para quem ele trabalha. E para Cláudio ele trabalha para O FILME. Ele diz que em uma ilha de edição estão sempre três pessoas: o editor, o diretor e o filme. Achei esse respeito pelo filme como uma pessoa extremamente interessante e norteador.


Outra masterclass maravilhosa foi com a romena Anne Fabini. A editora do documentário "Sobre pais e filhos" (2017) disse que "A montagem é um processo constante de trabalho analítico e cognitivo de criação" , eu concordo com ela. Anne também falou sobre como a tecnologia aumentou o volume de arquivos e de brutos que são gerados em documentários. Ela, que também tem experiência em montagem de ficção, disse que gosta de trabalhar para os dois tipos de narrativa. Na ficção, observando o roteiro e montando ela consegue enxergar os "truques" narrativos que funcionam e de certa maneira levar isso também para a montagem do documentário. Ela tem falou sobre uma estrutura anatômica de documentários, que devemos imaginar o filma como um corpo humano. Há cenas que são pilares, estruturais que apresentam a inflexão da história, do que se conta. Essa identificação para ela é essencial.



Já com o diretor mexicano Everardo González tem está acostumado a trabalhar com temas duros como a violência. Em "Los Ladrones Viejos..." (2007), Everardo entrevistou criminosos mas que tinham um "código de ética e conduta" para realizar seus crimes. Ele fala do processo de convencimento do entrevistado e sobre a importância de entrevistador e entrevistados estarem confortáveis um com o outro e com a câmera. E por falar em ética, não a do crime mas a do próprio documentário, Everardo fala sobre esse cuidado. Uma vez ouviu de um entrevistado "creio que você não entende que não quer que muita gente saiba que estou vivo" e foi aí que ele percebeu que o filme poderia ser um instrumento para uma vingança. Até que ponto podemos nos apropriar das histórias para benefício próprio ou do filme? Será que estou manipulando demais a realidade? São perguntas que ficaram, e devem ficar em nós que amamos produzir documentários.


Um bom exemplo de filme que é capaz de mover uma sociedade é "For Sama" de Waad Al-Kateab e Edward Watts. O filme conta a história da vida de Waad al-Kateab durante cinco anos da revolta em Aleppo, na Síria, quando ela se apaixona, se casa e dá à luz a Sama. Um documentário emocionante em primeira pessoa o tempo todo e que gerou uma série de ações sociais e humanitárias a partir dele. A jornalista Waad quando começou a gravar nem imaginava que poderia gerar um documentário. A princípio ela começou a gravar como um diário do que viviam.



Ainda aprendi muito com o restante da programação como Janice D´ávila (Brasil), Tamara Kotvska (Macedônia), Yaël Bitton (Suiça), Heid Hassan (Cuba), Sergei Loznitsa (Ucrânia). Fora da minha bolha e dentro de uma bolha muito maior que reúne os profissionais apaixonados por contar histórias a partir do material que a realidade nos dá. No próximo ano, desejo ir pessoalmente para o Uruguai, livre desta pandemia e vivenciar ainda mais de perto o DocMontevideo. Não poderia dar errado um evento de audiovisual em uma cidade que tem VIDEO até no nome.


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